Pesquisa revela que a estação registra maior ocorrência de surtos de doenças transmitidas por alimentos
Durante a estação mais quente do ano, alguns cuidados devem ser tomados quando o assunto é alimentação. Pesquisa do Ministério da Saúde revelou que, de 1999 a 2007, ocorreram 5.699 surtos de Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA), nos quais 114 mil pessoas foram contaminadas. Até 2006, dos 4.892 surtos ocorridos, a maior parte deles, 1.404 (28,7%), foi nos meses de janeiro a março.
“É importante salientar que nesse período as pessoas fazem mais refeições fora de suas residências e comem alimentos de vários lugares, como ambulantes, vendedores de praia, lanchonetes, restaurantes”, explica a coordenadora de Vigilância das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério, Greice Madeleine Ikeda do Carmo. Segundo ela, as pessoas estão suscetíveis a terem Doenças Transmitidas por Alimentos durante todo o ano, mas o aumento de surtos no verão está associado às férias e viagens.
Apesar da refeição feita fora de casa ser a suspeita número um de causar problemas, a pesquisa mostra que a maioria dos surtos, 1.979 (34,7%) ocorreu dentro da residência. Para a coordenadora, nas férias, as pessoas não costumam fazer alimentos frescos para cada refeição.
“Muitos alimentos são reaproveitados para mais tarde. O problema é que muita gente esquece de armazená-los corretamente, em refrigeradores ou freezers. Com isso, os alimentos ficam expostos a temperatura ambiente e sujeitos a multiplicação de microorganismos, que podem causar as DTA”, alerta Greice Madeleine.
A pesquisa revela que entre os alimentos, ovos crus e mal passados, também usados na preparação da famosa maionese caseira, provocaram 874 surtos (22,6%) das doenças. Em seguida estão os pratos mistos, com alimentos de origem animal e vegetal, responsáveis por 666 surtos (17,2%), as carnes vermelhas, com 450 ocorrências (11,6%) e as sobremesas, com 422 surtos (10,9%). Água, leite e seus derivados também provocaram surtos, com 333 (8,6%) e 276 (7,1%) notificações, respectivamente.
As bactérias são responsáveis por 83,5% dos surtos. A Salmonella spp é a vilã na contaminação, presente em mais de mil surtos (42,2%). Em seguida estão os vírus, observados em 14,1% dos casos notificados, e produtos químicos, com 1,3%. As contaminações causam sintomas como falta de apetite, náuseas, vômitos, diarreia, dores abdominais e febre.
De acordo com Greice Madeleine, a falta de Boas Práticas de Fabricação (BPF) é o principal fator para a proliferação de microorganismos causadores das doenças transmitidas por alimentos. As BPF são medidas exigidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que devem ser adotadas pelas indústrias de alimentos para garantir a qualidade sanitária e a conformidade dos produtos alimentícios com os regulamentos técnicos. “São técnicas muito simples sobre a forma de manipular, preparar, acondicionar, aquecer, servir e transportar os alimentos, que devem ser utilizados por qualquer pessoa em qualquer lugar”, afirma.
Embora o principal fator seja a falta de boas práticas, Greice Madeleine, recomenda que as pessoas observem, entre outros fatores, a qualidade da comida, hábitos e métodos de higiene do manipulador, da cozinha e dos utensílios. Essas recomendações valem tanto para quem vai ao restaurante ou decide produzir os seus próprios pratos em casa. Na compra de alimentos, preparados ou não, é importante checar a data de validade e reparar se alguma alteração na cor, no cheiro ou na aparência do produto.
Dicas de Prevenção – Para evitar casos e surtos de DTA, a Secretaria de Vigilância em Saúde faz algumas recomendações que são de aplicação geral, tanto para os alimentos comprados de vendedores de rua em postos fixos ou ambulantes, quanto também para hotéis e restaurantes. São elas:
* Lavar as mãos antes e durante a preparação dos alimentos e desinfetar os utensílios e equipamentos utilizados em sua preparação: os microorganismos que causam as doenças podem ser encontrados na terra, água, animais, pessoas, sendo facilmente transportados;
* Separar alimentos crus dos cozidos ou prontos para comer e utilizar utensílios diferentes para a manipulação dos alimentos diferentes: se contaminados, os alimentos crus podem transferir os microorganismos a outros alimentos durante a preparação. Alimentos prontos que serão consumidos posteriormente devem ser armazenados sob refrigeração;
* Cozinhar completamente o alimento (60°C), como carnes, frangos, ovos ou peixes impede a formação de microorganismos nocivos ou mata os que sejam perigosos. O reaquecimento adequado (70°C) elimina os microorganismos que possam ter se desenvolvido durante a conservação do alimento;
* Mantenha os alimentos em temperatura segura: com o calor, alguns microorganismos podem multiplicar-se rapidamente. Por isso, evite deixar alimentos expostos por mais de duas horas;
* Use água e ingredientes seguros: a água pode conter microorganismos prejudiciais à saúde, por isso, beba água e gelo apenas de procedência conhecida. Escolha alimentos já tratados como leite pasteurizado, frutas e verduras que podem ser descascadas;
* Evite consumir preparações culinárias que contem ovos, como gemadas, ovos fritos moles e maionese caseira, e também sorvetes de procedência duvidosa. Pescados e mariscos oferecem riscos, pois podem estar contaminados com toxinas que permanecem ativas mesmo depois de cozidos;
* Sempre checar o prazo de validade dos alimentos, acondicionamento e suas condições físicas como aparência, consistência, odor.
Maionese leva à internação
Entre 1999 e 2008, foram notificados 121 surtos de Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA) no Distrito Federal, nos quais 2.911 pessoas foram contaminadas. Para a chefe do Núcleo de Vigilância em Alimentos da Vigilância Sanitária do DF, Maria Auxiliadora Gorga Luna, os surtos são subnotificados, o que explica o baixo número de casos. “Nem todas as pessoas apresentam os sintomas mais graves, como vômitos e diarreia. Algumas têm um leve mal-estar, uma dor de barriga e, por isso, não procuram os médicos”, explica. Segundo ela, as identificações ocorrem quando um grande número de pessoas ou uma família passa mal por consumir o mesmo tipo de alimento.
Para Bruno Ramos, 34 anos, um simples salgado com maionese resultou em internação e duas horas de soro. “Comi um salgado na rua. Após 30 minutos, comecei a sentir um mal estar que foi se agravando, transformou-se em náuseas e cólicas intestinais, perdi a visão periférica e tive dor de cabeça”, conta o analista de sistemas, que até perdeu peso devido à desidratação. O problema de Bruno foi o uso da maionese em bisnaga.
“Bisnagas são proibidas. Os ambulantes somente completam a bisnaga e esquecem de lavá-la. Além disso, elas ficam fora da refrigeração, o que contribui para a proliferação de microorganismos causadores das intoxicações”, afirma Maria Auxiliadora.
Para a chefe do Núcleo de Vigilância de Alimentos, as pessoas devem tomar cuidado ao consumir alimentos na rua, e evitar, principalmente, maionese caseira e as famosas quentinhas. As duas não têm autorização da Vigilância Sanitária para serem comercializadas.
“As pessoas tem que escolher um lugar que ofereça segurança. No caso de restaurantes, escolha um que tenha boa procedência. Se for comer na rua, observe primeiro o ambulante, sua higiene, se ele usa toca, avental e como manipula o alimento. Se ele mexe com dinheiro, não deve pegar na comida”, alerta Maria Auxiliadora.
Apesar de serem mais seguras para o consumo na rua, as frutas também podem estar contaminadas. No caso da secretária Ana Maria Silva, a melancia foi a grande vilã. “Tive muita dor de barriga e vomitei bastante. Fiquei quase uma semana assim”, relata.
Soluções caseiras ― Segundo o chefe da Unidade de Gastroenterologia do Hospital de Base do Distrito Federal, Columbano Junqueira Neto, o alimento mal conservado é uma fonte de sérios problemas, principalmente em crianças, idosos ou pessoas debilitadas, pois estão com o sistema imunológico mais suscetível.
“O estômago das pessoas é uma ótima defesa do nosso organismo contra essas substâncias nocivas ingeridas no dia a dia. O problema é quando essa defesa natural não é suficiente para a proteção, e a contaminação pode progredir para um quadro maior e causar perfuração intestinal, hemorragia, necrose intestinal e até a morte”, explica.
Para o médico, 80% a 90% dos casos podem ser resolvidos em casa com soro caseiro, muito líquido e uma dieta sem fibras como arroz mole com cenoura, canja de galinha, sopa de verdura, banana e maça cozidas. “Antibióticos devem ser evitados, já que podem agravar a situação. Se com o soro e a dieta os sintomas não melhorarem ou se agravarem, o melhor é procurar a unidade de saúde mais próxima”, diz.
Alimentação e turismo caminham juntos
O consultor de Gastronomia e Segurança de Alimentos do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Luis Cláudio Martinez Lopes, afirma que a alimentação está associada à questão do turismo, por isso os restaurantes tem uma grande responsabilidade com a saúde das pessoas. “Qualquer descuido e pode ter milhares de pessoas com contaminação por alimentos. É por isso que as empresas devem seguir as Boas Práticas de Fabricação e agir de forma preventiva para evitar problemas mais graves”.
Luis Cláudio diz que todos os cuidados com a manipulação de alimentos, saúde do manipulador, regras de higiene e de comportamento no ambiente de trabalho podem evitar os surtos e contribuir para o controle da situação.
“São os quatro “A”: água, alimento, abrigo e acesso. O controle desses fatores é essencial para combater qualquer risco”, explica Luis Cláudio.
Um bom fornecedor de alimentos, idôneo, que mantenha as condições higiênicas e sanitárias adequadas, o SIF (Sistema de Inspeção Federal também é importante para garantir a qualidade do estabelecimento e do serviço.
Capacitação ― Além dos instrumentos de controle, o consultor explica que a capacitação do manipulador, além de treinamentos e renovação de conhecimentos anuais, ajuda nessa prevenção. Exames médicos são realizados anualmente e eles são orientados a comunicar qualquer tipo de doença ou ferimento que tenham. “Eles aprendem, entendem e absorvem a questão das boas práticas. A prática dentro do restaurante acaba sendo levada pra dentro da residência do funcionário”.
Para a presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Lisandre Werner Thomaz da Silva, as normas são bem vindas. “A legislação veio para ficar. Ela trouxe muitos benefícios, não só para os clientes como para as empresas e seus funcionários. É um sistema de gestão de qualidade, bem orientado e não há riscos ou preocupações com os clientes”, comemora.
Para suprir a carência de empresas e ambulantes que buscam orientação sobre as Boas Práticas de Fabricação, Luis Cláudio informa que há instituições públicas como o Sebrae, Senac e Senai que oferecem cursos e programas de qualificação para ajudar na implantação das normas estabelecidas pela Anvisa.
Fonte: Agência Saúde
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